A fertilidade masculina não recebe a atenção que merece

No contexto do mercado de Reprodução Humana Assistida (RHA), é evidente a predominância da mulher como protagonista do processo. A maioria das estratégias de marketing direciona-se ao público feminino, explorando o desejo de maternidade. Tal enfoque é compreensível, considerando que, em geral, é a mulher quem toma a iniciativa de buscar um especialista quando o casal enfrenta dificuldades para conceber. Além disso, o avanço das técnicas de RHA, em especial da injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI), permitiu superar limitações relacionadas à morfologia e à motilidade dos gametas masculinos. No entanto, é importante destacar que, diante dessa facilidade, muitos profissionais negligenciam a investigação das causas subjacentes a essas alterações e passam a considerar a ICSI como solução para todos os problemas relacionados ao gameta masculino. 

É fundamental dar a devida atenção ao fator masculino da mesma forma que se dá ao fator feminino quando se trata de infertilidade. De acordo com a American Society for Reproductive Medicine (ASRM), o fator masculino pode ser identificado em 30% a 40% dos casos de infertilidade, o que equivale à proporção do fator feminino (SCHLEGEL et al., 2021). Em 30% dos casos, há um fator misto, com contribuição de ambos os sexos, e em 10% dos casais não é possível definir a causa específica (GLINA; VIEIRA; SOARES, 2006). 

A infertilidade masculina pode ter diversas causas possíveis, como resultado de fatores genéticos, hormonais, ambientais ou relacionados ao estilo de vida. Outras causas incluem varicocele, obstruções nas vias ejaculatórias, infecções genitais, disfunção erétil, problemas hormonais, lesões testiculares e exposição a substâncias tóxicas, como tabaco, álcool e drogas.

Vários estudos publicados têm demonstrado a influência do homem no sucesso da gestação. Kirby et al. (2016) realizaram uma meta-análise comparando homens com azoospermia ou oligozoospermia e varicocele que foram submetidos a varicocelectomia antes da fertilização in vitro (FIV). As taxas de gravidez e nascidos vivos foram analisadas, e observou-se que a cirurgia melhorou as taxas de nascidos vivos nos grupos oligozoospérmicos e nos grupos combinados de oligozoospermia e azoospermia. As taxas de gravidez foram mais altas no grupo azoospérmico e nos grupos combinados de oligozoospermia e azoospermia. Além disso, as taxas de nascidos vivos também foram maiores para pacientes submetidos a inseminação intrauterina após a varicocelectomia. Outro achado interessante foi que as taxas de recuperação cirúrgica de espermatozoides foram maiores em homens persistentemente azoospérmicos após o procedimento.

Ao abordar a questão da infertilidade masculina, é crucial considerar não apenas os tratamentos medicamentosos e cirúrgicos, mas também discutir a importância da saúde geral, atividade física, dieta saudável e adoção de bons hábitos. Recentemente, houve uma ampla repercussão na mídia sobre a fertilidade masculina após a publicação do livro “Count Down“, que apresentou estudos e dados alarmantes sobre a diminuição da concentração de espermatozoides e a projeção do declínio da capacidade reprodutiva masculina nas próximas décadas devido a diversos fatores, como os disruptores endócrinos (SWAN; COLINO, 2021). Swan e Colino (ibidem) argumentam que a exposição a esses produtos químicos começa desde o desenvolvimento fetal e continua ao longo da vida, afetando não apenas a saúde reprodutiva masculina, mas também contribuindo para uma série de problemas de saúde, como obesidade, diabetes e distúrbios do desenvolvimento neurológico.

Embora tenham ocorrido críticas às afirmações da autora, principalmente em relação às metodologias utilizadas nos estudos, é importante reconhecer que uma grande parte da população está exposta a diversos fatores que afetam a espermatogênese. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência da obesidade quase triplicou entre 1975 e 2016, com 39% dos homens acima de 18 anos apresentando sobrepeso em 2016 (WHO, [s.d.]). Além disso, em 2020, 36,7% dos homens eram fumantes (WHO, 2022). O uso abusivo de álcool, o consumo excessivo de alimentos industrializados e a falta de atividade física também contribuem para um cenário preocupante em termos de saúde masculina. Além dos fatores mencionados, a exposição a ondas eletromagnéticas, disruptores endócrinos presentes em materiais industrializados e o uso abusivo de esteroides anabolizantes têm impactos diretos na produção de espermatozoides.

Um fator que geralmente recebe pouca atenção é a idade paterna. Embora seja comum acreditar que os homens podem ser pais ao longo da vida, estudos têm mostrado que o relógio biológico masculino também afeta a qualidade do esperma, aumentando a fragmentação do DNA espermático e as taxas de mutação de novo, entre outros aspectos. Todas essas variáveis têm demonstrado relações significativas com a produção de esperma e a integridade do DNA espermático, podendo influenciar o desenvolvimento embrionário, causar falhas na implantação, abortos repetidos e distúrbios do neurodesenvolvimento da criança, entre outros problemas.

Agir sobre o fator masculino pode otimizar o sucesso dos tratamentos de reprodução humana assistida, melhorar as chances de gravidez do casal, reduzir o ônus psicológico e financeiro e aumentar as estatísticas de sucesso do laboratório de RHA. É essencial conscientizar os profissionais de saúde e a população, especialmente os homens, sobre o planejamento familiar, a importância do autocuidado, do estilo de vida saudável e seus efeitos na qualidade do esperma. Abordar a relevância do homem na reprodução humana significa romper com padrões culturais, mudar perspectivas e conscientizar sobre o papel fundamental que os homens desempenham no sucesso da gestação. 

Referências

GLINA, S.; VIEIRA, M.; SOARES, J. Infertilidade masculina. In: LOPES, A. C. Tratado de Clínica Médica. 1. ed. São Paulo: Roca, 2006. p. 2950-2972.

KIRBY, E. W. et al. Undergoing varicocele repair before assisted reproduction improves pregnancy rate and live birth rate in azoospermic and oligospermic men with a varicocele: a systematic review and meta-analysis. Fertility and Sterility, v. 106, n. 6, p. 1338-1343, 2016.

SCHLEGEL, P. N. et al. Diagnosis and treatment of infertility in men: AUA/ASRM guideline part I. Fertility and Sterility, v. 115, n. 1, p. 54-61, 2021.

SWAN, S. H.; COLINO, S. Count Down: how our modern world is threatening sperm counts, altering male and female reproductive development, and imperiling the future of the human race.  New York: Scribner, 2021.

WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. Obesity. Geneva: WHO, [s.d.]. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/obesity#tab=tab_1. Acesso em: 16 maio 2023.

WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION. Tobacco. Geneva: WHO, 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/tobacco. Acesso em: 16 maio 2023.

Estêvão Contage Amin é médico urologista, pós-graduado em Reprodução Humana Assistida pelo Instituto Sapientiae, fellow em Andrologia no HSPE/IAMSPE, colaborador do Departamento de Andrologia do Serviço de Urologia do HSPE/IAMSP e urologista na Clinica Engravida. 

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