Paulo Gallo – Presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana
Por Viviã de Sousa @revistaevolution
Atuar em prol de uma causa é uma grande missão, e a trajetória da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), com mais de 70 anos de atuação, tem sido marcada por importantes lideranças e conquistas que nortearam a história e o desenvolvimento desta área em nosso país e no mundo.
A SBRH participou dos principais acontecimentos e discussões que guiaram a qualificação e os avanços do segmento, os quais, hoje, são fundamentais para a promoção do cuidado com a saúde reprodutiva. Nesse caminho, tornar a reprodução assistida acessível a todos é uma das grandes missões da instituição.
Nesta entrevista concedida à Revista EVOLUTION, Paulo Gallo, médico especialista em reprodução humana, responsável pelo Setor de Reprodução Humana do Hospital Universitário Pedro Ernesto, professor assistente de Ginecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da SBRH, fala sobre sua trajetória e principais atuações, os desafios enfrentados e as perspectivas para o setor. Veja a entrevista completa a seguir.
EVOLUTION – Como foi a sua trajetória até se especializar na área da reprodução humana? Paulo Gallo – Nasci no Rio de Janeiro, em 18 de março de 1960, e, desde criança, a única profissão que eu pensei em ser era médico. Minha mãe conta que eu sempre repetia que queria ser médico para não deixar meus pais morrerem. Nunca pensei em nenhuma outra profissão e, desde a minha infância, esse sempre foi o meu projeto de vida, mesmo sem ter tido nenhum médico ou profissional da saúde na família. Estudei no Colégio São Bento, uma escola católica do Rio de Janeiro e, em 1978, ingressei na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na faculdade de Ciências Médicas, curso que concluí em 1983, aos 23 anos. Fiz residência no Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Ginecologia Obstetrícia, e, assim que concluí a residência, em 1986, ingressei no mestrado na UFRJ. Em 1998, fiz concurso e fui aprovado como professor assistente da UERJ, instituição onde me graduei em Medicina. Ao chegar na universidade, já trabalhava como ginecologista, tanto no consultório privado quanto no serviço público, e sempre gostei muito das áreas de infertilidade, planejamento familiar e endocrinologia ginecológica.
EVOLUTION – Quais foram os principais desafios que enfrentou nessa trajetória e o que mais o motivou a ser, hoje, uma grande liderança no segmento? Paulo Gallo – No Hospital Universitário Pedro Ernesto, da UERJ (HUPE-UERJ), não tínhamos, à época, ambulatórios de infertilidade nem de planejamento familiar. Então, empenhei-me e inaugurei ambos os ambulatórios, iniciando os atendimentos em 1999. Aqui no Rio de Janeiro, só três hospitais universitários possuem ambulatório de infertilidade e, desde então, começamos a fazer os tratamentos clínicos e cirúrgicos de infertilidade conjugal, efetuando cirurgias de endometriose e de recanalização de trompas, além de tratamentos clínicos de infertilidade masculina e feminina. Nos últimos 20 anos, minha grande luta foi tentar montar, no HUPE-UERJ, o primeiro serviço público de reprodução assistida no Rio de Janeiro, mas, infelizmente, ainda não foi possível. Portanto, nosso estado ainda não dispõe de nenhum serviço público capaz de oferecer tratamento de reprodução assistida para as pessoas que não têm recursos para fazer na rede privada, o que é uma pena. E isso me angustia e me deixa muito frustrado, porque as técnicas de reprodução assistida são úteis, não só para os casais que não conseguem engravidar, mas, também, para outras situações específicas. Sabemos que de 10% a 15% dos casais possuem dificuldades para engravidar, e esse é um número muito expressivo de pacientes. É uma situação muito difícil, pois há um envolvimento e um grande sofrimento emocional e físico de uma família inteira, não apenas do casal, mas, também, de parentes e amigos mais próximos. É angustiante e frustrante não poder fornecer esse tratamento para essas pessoas que, em geral, são casais mais humildes e sem condições de buscar por procedimentos na rede particular.
EVOLUTION – O senhor falou das possibilidades clínicas que as técnicas de reprodução assistida têm oferecido não somente para casais inférteis. Quais seriam essas outras possibilidades? Paulo Gallo – Além de casais com infertilidade, a reprodução assistida é, hoje, fundamental para vários outros segmentos, como o congelamento de óvulos e espermatozoides em homens e mulheres que irão ser submetidos a tratamentos oncológicos, como quimioterapia, radioterapia pélvica, ou, então, mulheres que vão ser submetidas a cirurgias no ovário, que podem entrar em falência ovariana, mas que, com as técnicas de reprodução assistidas, poderão congelar os seus óvulos para, no futuro, terem a possibilidade de construir suas famílias e realizar seus sonhos. A reprodução assistida também é importante para aqueles casos de casais em que um dos parceiros tem uma doença sexualmente transmissível (DST) que impossibilite a gravidez pelos métodos naturais (casais sorodiscordantes). Também é fundamental para aqueles casos de casais homoafetivos, o que a gente chama de famílias plurais. Casais homoafetivos só podem engravidar a partir das técnicas de reprodução assistida. Por fim, estas técnicas também são indicadas para famílias com algumas doenças genéticas. Por meio da reprodução assistida, podemos evitar a transmissão de doenças cromossômicas e genéticas para sua prole. As técnicas de reprodução assistida têm uma importância muito maior do que apenas tratar casais com dificuldades para engravidar. Por isso, é algo que me preocupa muito, pois o Rio de Janeiro, que é o segundo maior estado da Federação, não disponibiliza nenhum serviço público para esses pacientes. Essa é uma das nossas principais lutas há mais de 20 anos, e não vamos desistir até conseguir.
EVOLUTION – Quais eventos o senhor destacaria nessa história de atuação da SBRH e o que o levou a assumir a presidência da entidade? Paulo Gallo – A SBRH é a sociedade mais antiga no país em relação à saúde feminina e a segunda criada no mundo dedicada à infertilidade conjugal. Foi fundada em 1947 pelo carioca professor Artur Campos da Paz, que foi o seu primeiro presidente. Nesse mesmo ano, foi realizado, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, o 1º Congresso Internacional para Estudos de Pacientes com Infertilidade, ocasião em que foi fundada nossa instituição. A Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), a mais antiga do mundo, foi fundada em 1944, e a 1ª Sociedade de Infertilidade da Europa (Sociedade Espanhola) só foi criada em 1953, seis anos depois da fundação da SBRH. O nosso primeiro congresso internacional foi em 1951, quando criaram a International Fertility Association. Desde a sua fundação, a SBRH não teve mais nenhum presidente carioca, mas há 15 anos eu decidi participar mais ativamente e comecei a fazer parte dos trabalhos da instituição, tanto na organização de congressos quanto representando nosso estado em algumas posições na diretoria. Recentemente, tive a oportunidade de ser indicado ao cargo de presidente, o que me deixa muito honrado pela confiança de meus pares, pois, após 60 anos de trajetória, a SBRH voltou a ter um presidente carioca. Esse foi um motivo de muito orgulho e reconhecimento de todos os colegas do Brasil inteiro que são sócios da nossa sociedade e que tiveram a confiança de me indicar como presidente. É muito gratificante fazer parte dessa diretoria, e a meta da nossa gestão é integrar cada vez mais com nossos sócios, porque a nossa sociedade não é nada sem a participação efetiva de cada um deles.
EVOLUTION – Quais têm sido as suas prioridades à frente da SBRH? Paulo Gallo – A nossa ideia é que todas as decisões da sociedade e da diretoria sejam transparentes, começando pela divulgação da ata em nosso site, para que todos os sócios tenham acesso a tudo que está sendo tratado e decidido pela diretoria, e, assim, aumentar o interesse e a interação com os membros. Além dessas ações, pretendemos intensificar e divulgar os eventos realizados, como webinars e congressos, bem como tornar nossa comunicação cada vez mais efetiva e participativa em todos os nossos canais. Um de nossos principais objetivos é a educação médica continuada, com o objetivo de ajudar os profissionais que atuam nessa área a receber informações e orientações para melhorar tanto os resultados dos tratamentos quanto garantir mais acessos aos pacientes com relação à reprodução humana. A SBRH não é exclusivamente de reprodução assistida, e isso é muito importante, pois ela inclui planejamento familiar, endocrinologia ginecológica, endometriose e medicina fetal, que são áreas afins relacionadas com a saúde reprodutiva. Temos cerca de 4 mil pessoas ligadas à SBRH, sendo 1 mil de forma direta e aproximadamente 3 mil indiretamente. E quais seriam nossos objetivos? Estimular estudos e pesquisa de especialistas brasileiros na área de reprodução humana, incentivar a criação de material para a educação médica continuada, promover eventos científicos, fazer intercâmbio com outras sociedades, atuar junto aos órgãos governamentais e à sociedade civil para aumentar o acesso ao tratamento adequado de reprodução humana em modo geral, porque o planejamento familiar inclui a possibilidade de o casal definir o momento apropriado para ter filhos, e isso significa ter acesso aos meios de contracepção efetivos e aos tratamentos de infertilidade, quando necessário.
EVOLUTION – Quais são os principais desafios do segmento e da instituição? Paulo Gallo – O principal desafio do setor, de modo geral, é dar acesso a toda a população aos tratamentos de saúde reprodutiva, tanto para os casais que não conseguem engravidar quanto para aqueles que conseguem. A sociedade tem a obrigação de não somente estimular a divulgação de informações, como, também, promover o tratamento ético, ajudando a definir as normativas éticas que norteiam os tratamentos de infertilidade e planejamento familiar de um modo geral, e, também, conseguir atingir toda a população, auxiliando, de alguma maneira, para que todos possam ter acesso a esses tratamentos.
EVOLUTION – Qual sua mensagem para quem já atua no mercado e para quem quer entrar nessa área? Paulo Gallo – O segmento de reprodução é muito gratificante. Ajudar os casais a conseguirem atingir seus objetivos e realizar sonhos que parecem impossíveis não tem preço. É uma área difícil, que requer muito estudo, qualificação e dedicação, mas o principal objetivo tem que ser sempre o paciente, o casal. Qualquer outro objetivo deve ser secundário e vai ser alcançado indiretamente. Sempre falo para meus alunos que o sucesso de um médico deve ser consequência de um trabalho bem feito, com honestidade, dedicação, ética, e nunca ao contrário. Devemos focar sempre, em primeiro lugar, o profissionalismo, a ética e o respeito aos nossos pacientes. Assim, o sucesso virá de forma sólida, como consequência de um trabalho bem realizado.