Daniel Suslik Zylbersztejn*
A principal função do espermatozoide dentro do trato reprodutivo feminino é entregar o genoma paterno o mais íntegro possível no momento da fertilização do óvulo. Como consequência, o embrião terá a qualidade necessária para que o processo de implantação e de desenvolvimento fetal ocorra com sucesso, além de colaborar decisivamente para que o casal tenha um recém-nascido saudável em casa.
Apesar de toda essa importância para a constituição de um embrião de qualidade, o fator masculino ainda é, muitas vezes, relegado a um segundo plano na avaliação da infertilidade conjugal. A análise seminal pelo espermograma continua sendo o exame mais frequente e importante a ser solicitado, sendo frequentemente requerido mais de um exame quando o resultado é alterado e até três amostras quando constatadas discrepâncias importantes entre os resultados. Estas diferenças ocorrem por dois grandes motivos: pela variabilidade intrínseca da espermatogênese (em especial devido à suscetibilidade aos mais variados fatores de agravo), e, também, pela pouca qualidade dos laboratórios gerais em executar e ler os parâmetros seminais de uma forma correta e fidedigna. Apesar disso, o espermograma definitivamente não é um atestado inequívoco de fertilidade, pois os parâmetros seminais avaliados, mesmo que comprovadamente normais, não significam que o espermatozoide tenha qualidade para formar um embrião capaz de gerar uma vida.
Muitos são os fatores que prejudicam a produção quantitativa e qualitativa dos espermatozoides. Varicocele clínica, tabagismo, uso de drogas, obesidade, uretrites, orquite viral e bacteriana, abuso de álcool, diabete, tumores malignos, tratamento com quimio e radioterapia e idade avançada são alguns dos importantes agentes que afetam a qualidade seminal e, em especial, a integridade do DNA espermático. Estas causas acarretam a quebra de DNA espermático por fisiopatogenias diferentes, como a presença de estresse oxidativo, a apoptose abortiva e o defeito na protaminação. Estima-se que mais de 20% dos sêmens assinalados como normais pelo espermograma apresentam uma taxa de fragmentação de DNA elevada acima de 30%, com repercussão negativa no potencial e desfecho reprodutivo.
Atualmente, três testes são encontrados no mercado para uso clínico: SCSA (Sperm Chromatin Strucuture Assay), método pioneiro por citometria de fluxo criado por Don Evenson no início da década de 1980 e comercializado para uso clínico em humanos a partir de 2005; a técnica de TUNEL (Terminal Deoxynucleotidyl Transferase-mediated Fluroescein) e suas variantes, criada em 1993; e a técnica de SCD (Sperm Chromatin Dispersion), desenvolvida no início da década de 2000 . O resultado é apresentado pelo Índice de Fragmentação de DNA (criado pela técnica de SCSA), que representa a quantidade de células fragmentadas sob o total de todas as células analisadas. O IFD abaixo de 20% é considerado normal; já entre 20% e 30% é compatível com um tempo prolongado para a aquisição de gravidez, com um risco aumentado de abortamento, bem como uma redução nas taxas de gravidez in vivo; e acima de 30%, as chances de gravidez natural ou por tratamento de inseminação intrauterina são reduzidas em oito a dez vezes. Doenças como esquizofrenia, autismo, pequenas malformações e até mesmo doenças oncológicas podem estar relacionadas a espermatozoides com fragmentação de DNA elevado.
Apesar da farta publicação sobre fragmentação de DNA e infertilidade masculina observada nos últimos 15 anos, o exame ainda não é referendado pelas Sociedades de Medicina Reprodutiva como uma ferramenta-padrão de avaliação seminal. A American Society for Reproduction Medicine (ASRM) publicou recentemente que a análise de fragmentação de DNA na avaliação inicial da infertilidade conjugal não é recomendada de forma rotineira (recomendação moderada com nível C de evidência). Situações como a falta de padronização das técnicas (exceto SCSA), ausência de estudos prospectivos com desfechos padronizados e técnicas com sensibilidades de detecção de quebra de DNA diferentes entre si prejudicam a conclusão definitiva da sua aplicabilidade clínica. Entretanto, a constatação de uma fragmentação elevada pode impactar o manejo clínico e laboratorial do casal tentante. Tratar doenças de base que causam a fragmentação, evitar o uso do espermatozoide do ejaculado e usar o testicular em casos idiopáticos, bem como aplicar técnicas de seleção de espermatozoides no laboratório são situações que podem ser planejadas antes de se iniciar um tratamento de reprodução assistida.
A ausência de fragmentação, entretanto, não significa um atestado inequívoco de fertilidade. O espermatozoide pode sofrer várias alterações antes de iniciar a fragmentação do seu DNA, como, por exemplo, marcadores precoces de apoptose ou de estresse oxidativo. Ao não se diagnosticar corretamente a qualidade seminal, os infertileutas e os embriologistas ficam sem poder ajudar os casais de uma forma mais efetiva na melhoria ou na seleção dos melhores espermatozoides para o uso da injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI), acarretando chances menores de sucesso para a obtenção da gravidez.
Apesar de tudo isso, os testes de fragmentação de DNA espermático constituem-se, hoje, o melhor exame reprodutível de aplicabilidade clínica para corroborar ou refutar o resultado do espermograma convencional, modificando a forma de trabalhar com o paciente e com o próprio espermatozoide no laboratório. O uso de forma rotineira em avaliação de check-up de potencial fértil masculino não se faz necessário. Entretanto, na investigação de um casal com infertilidade diagnosticada, é um exame de importância indiscutível, muito embora ensaios clínicos randomizados sejam ainda necessários para a demonstração de sua efetividade clínica incontestável.
* PhD e coordenador médico do Fleury Fertilidade – Centro de Medicina Reprodutiva.