*Por Eduardo L. A. Motta
A Reprodução Assistida brasileira tem vivenciado um intenso debate, pela apreciação na Câmara Federal, do Projeto de Lei 1.184, concebido ainda no ano de 2003. Antes vale lembrar a dramática mudança de nossa sociedade, pois antigamente a primeira gravidez ocorria antes dos 30 anos. Já hoje a formação dos casais é múltipla e tardia e habitualmente com menos de dois filhos. É preciso entender que só o envelhecimento já traz uma natural dificuldade na concepção espontânea, sobretudo para as mulheres, face à perda da qualidade de seus óvulos. Logo a capacidade reprodutiva não é um “dom divino”, como muitas vezes abordado, mas, sim, uma necessidade de saúde pública.
Devemos considerar que a Reprodução Assistida não envolve só bases biológicas, mas considerações éticas e morais, que são necessárias para a proteção dos genitores, de seus descendentes e todas as pessoas envolvidas.
Entre as principais controvérsias deste Projeto de Lei, destacam-se a aplicação da técnica somente para mulheres ou casais heterossexuais, a proibição da “barriga solidária”, a fertilização de no máximo 2 óvulos por procedimento, a obrigatoriedade da implantação de embriões no mesmo momento de sua formação, com a consequente proibição da criopreservação, a obrigatoriedade de que o doador de gameta só o possa fazer para uma pessoa, a quebra do anonimato na doação por vontade da pessoa nascida por esta técnica, a proibição da biópsia embrionária, além da reclusão para os profissionais da saúde em caso de descumprimento da norma.
A maior crítica a este PL, elaborado há duas décadas, é desconsiderar a população que hoje necessita deste atendimento e negar os avanços tecnológicos conquistados neste espaço de tempo. Ora nossa sociedade é formada não apenas por casais heterossexuais, mas pela pluralidade de conceitos. E o que dizer de mulheres que nasceram com malformações uterinas ou possam ter algum impedimento de saúde para a concepção?
Contudo o que torna ainda mais incrédulo o PL, diz respeito às mulheres. Sabemos que após os 35 anos, são elas que mais necessitam e se beneficiam deste tipo de serviço, pois a taxa de infertilidade cresce exponencialmente e, nestes casos, de cada três embriões formados, dois deles jamais conseguirão se desenvolver, pois irão apresentar alterações no correto número de cromossomos. Ao longo do envelhecimento, a ovulação apresenta uma maior incidência de erros, pois a meiose é imperfeita, logo a proporção da metade genética materna se dá incorretamente. Fertilizar dois óvulos em uma mulher de 35 anos ou mais é determinar menor taxa de sucesso e corroborar com maiores complicações, frente à necessidade do aumento no número de procedimentos, compensatórios desta limitação. Em outras palavras, apenas a observação visual não consegue equacionar este fato. Isto sem considerar o possível maior número de nascidos malformados.
Ao se limitar o reconhecimento do melhor embrião através da biópsia, o PL também determina que este tem que ser colocado em um útero “a fresco”, possivelmente não ideal, o que seguramente determinará uma perda de embriões viáveis, que teriam melhor perspectiva se corretamente transferidos em condições propícias. Neste caso, alguém poderia argumentar que a lei induz ao aborto.
Há de se considerar as justificativas elencadas para este Projeto de Lei. Segundo os dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), do Ministério da Saúde, em 2017 houve o congelamento de mais de 75 mil embriões, aumento de 13% em relação a 2016. Se considerarmos que são feitos 35 mil tratamentos/ano e partindo do princípio que 2 embriões já foram implantados, este número reflete a produção extra de menos de 2 embriões por casal, mas que possibilitariam uma segunda chance sem necessidade de novos ciclos. Porém, é mandatório considerar, que a maioria destes embriões se referem àqueles com a indicação da biópsia embrionária, quando o congelamento é obrigatório. Logo foram criopreservados enquanto aguardavam o resultado, rebatendo a crítica do número de embriões descartados. Existe evidente interpretação errônea, pois o SisEmbrio não os diferencia os normais guardados dos anormais descartados, conferindo a situação de “descarte puro” e induzindo ao falso entendimento de excesso na produção e descarte de embriões.
É preciso um debate sério que agregue aos vários setores de nossa sociedade e reconheça a diversidade para que o equilíbrio das posições prevaleça. Neste cenário ideal, seria possível formular diretrizes de uma população crescente e agora agravada pela pandemia. Inclusive é importante reconhecer que o planejamento familiar não diz respeito apenas às políticas de contenção e, sim, de dar o direito a cada lar brasileiro determinar suas reais necessidades reprodutivas.*Eduardo Motta é médico e fundador da Huntington Medicina Reprodutiva