Telemedicina e a evolução digital em saúde – logística e cuidados contínuos

Chao Lung Wen* 

A telemedicina (TM) é uma evolução natural dos cuidados de saúde no processo da inclusão digital na sociedade como um todo. A cada dia, torna-se cada vez mais indiscutível a capacidade que ela tem de melhorar a qualidade, a equidade e a acessibilidade, e a pandemia de Covid-19 foi um fator desencadeante para esta percepção. Vale destacar que não existe competição entre medicina e TM. O que realmente existe é a possibilidade de expansão exponencial da medicina para a medicina conectada (fusão da medicina com a TM), com a adoção de uma TM ética e responsável, com diretrizes de boas práticas fundamentadas na bioética que possibilitem garantir qualidade dos “teleatos médicos” e sigilo dos dados que estão nessa relação médico-paciente.

Com a crescente miniaturização dos componentes eletrônicos e a incorporação de novas tecnologias (como grafeno), o aumento das capacidades de telecomunicação (como 5G, internet das coisas – IoT e Internet das Coisas Médicas – IoMT, realidade virtual e realidade aumentada, processamento em nuvem, uso ampliado da inteligência artificial e robótica), teremos significativa mudanças na saúde. Passaremos dos conceitos de serviços isolados e sem interconexão para modelos de cuidados integrados, formação de rede, organização eficiente do sistema de saúde, aumento da capacidade de triagens para diagnósticos precoces, ampliação de áreas de cobertura geográfica, além de maior tempo de oferta e disponibilidade de serviços. A TM tem o potencial para agregar novas soluções em saúde, e muitos dos procedimentos e das rotinas presenciais poderão ser substituídos por cuidados intermediados por tecnologias. Ela não precisa ser obrigatoriamente completa por si só e pode ser parte de cuidados híbridos. Se o médico não se sente seguro para tomar uma conduta após uma avaliação a distância, ele deve chamar o paciente para um exame complementar presencial.

No Brasil, a TM é entendida como sendo “o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde”, conforme art. 3º da Lei Federal nº 13.989/2020 (BRASIL, 2020). No Ofício do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.756/2020 – Cojur, de 19 de março de 2020, são reconhecidos três procedimentos que podem ser realizados pelo médico por meio da TM (teleorientação, telemonitoramento e teleinterconsulta). A TM é considerada prática ética e pode ser realizada no Brasil nos limites do que determinam a Resolução do CFM, o Ofício do CFM, a Portaria Ministerial nº 467/ 2020 e a Lei nº 13.989/2020, com possibilidades de realização de prescrição eletrônica para os medicamentos autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Diferentemente do que se entendia por uma grande parte dos profissionais, a TM não é uma ferramenta. É um método médico para realização de serviços médicos mediado por tecnologias. Este conceito é ratificado no parágrafo 1º do art. 37 do Código de Ética Médica e pelo art. 5º da Lei nº 13.989/2020. Para sua adoção, é necessário ter cuidado em relação à escolha e à utilização de recursos digitais seguros de comunicação.

Embora a ideia de TM esteja muito associada com serviços assistenciais, ela atua em quatro grandes áreas, que são: 1) teleassistência e televigilância epidemiológica; 2) teleducação interativa;  3) rede colaborativa de pesquisa (teleciência); e 4) prevenção de doenças, riscos e agravos e promoção de saúde, conforme a definição da Resolução de Telemedicina nº 2.227/2018 (revogada) e a Lei nº 13.989/2020.

Na perspectiva da saúde para a terceira década do século XXI, pode-se dizer que estamos em um momento oportuno para estruturar novos portfólios de serviços, que possam ter crescimentos escalonáveis sem gerar perda de qualidade. A consolidação e a expansão da TM possibilitará a organização aprimorada da cadeia de serviços em saúde, com oferta de serviços que englobam desde a educação em autocuidados, a orientação e a prevenção para a população (eCare), o monitoramento e até os cuidados multiprofissionais domiciliares (telemulticare). Os avanços da IoT e da IoMT e o surgimento de smartphones cada vez mais rápidos, com capacidade de realizarem multiprocessamentos, compartilhamento de dados em nuvem, integração com vários dispositivos, conectividade 5G e incorporação de inteligência artificial mudarão os cenários de monitoramento de saúde pessoal.

Referência

BRASIL. Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020. Dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). Diário Oficial da União, Brasília, 2020.

* Professor-associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Líder do Grupo de Pesquisa USP em Telemedicina, Tecnologias Educacionais e Health (CNPq/MCTIC) e membro da Câmara Técnica de Informática em Saúde e da Comissão de Análise da Resolução de Telemedicina do Conselho Federal de Medicina (CFM).

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