“Um arco-íris na nossa história”: Reprodução assistida realiza sonho de paternidade de casal homoafetivo

No último ano, de acordo com dados do Colégio Notarial, 2.188 uniões homoafetivas foram registradas no Brasil, o que representou uma alta de aproximadamente 2% em relação ao ano anterior. Já nos últimos 10 anos, o número de uniões homoafetivas no país passou de 80 mil segundo a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg).

Na área médica as resoluções implementadas pelo Conselho Federal de Medicina nos últimos anos favoreceram ainda mais os casais homoafetivos que sonhavam com a maternidade ou com a paternidade, um desses casos foi o do psicólogo Eduardo Lomando, de 42 anos, natural de Porto Alegre.

“Decidi ser pai, acho que no início da vida adulta, no finalzinho da pós-adolescência, lá para os 19, 20 anos. Sempre gostei muito dessa sensação de ter crianças, ter filhos, ter alguém que a gente ensina, que faz parte da vida, que a gente assiste viver. Isso foi muito querido por mim e também era um sonho, era algo muito importante para o meu marido. Nós dois tínhamos isso compartilhado, era um acordo que nós tínhamos como casal”, conta Eduardo.

Em 2019, o Conselho Federal de Medicina (CFM) garantiu em resolução que casais formados por pessoas do mesmo sexo, teriam o direito de recorrer a técnicas de reprodução assistida, para ter filhos biológicos.

Segundo Nilo Frantz, especialista em reprodução humana da Nilo Frantz Medicina Reprodutiva, em São Paulo, existem duas formas de um casal de homens homoafetivos conseguirem realizar os tratamentos: por meio da fertilização in vitro com óvulos doados e com útero de substituição.

“Os óvulos de uma doadora são fertilizados pelos espermatozoides de um dos parceiros, e os embriões que se formam no processo são transferidos ao útero da barriga solidária”, afirma Frantz.

Frantz também explica que obrigatoriamente os óvulos utilizados no tratamento precisam ser de uma pessoa diferente da qual será a barriga solidária.

“No Brasil, a cedente solidária de útero deve pertencer à família de um dos parceiros com parentesco de até 4º grau, como mãe, avó, irmã, tia ou prima. Ainda vale ressaltar que é proibido contratar uma “barriga de aluguel” no país. Porém, tal procedimento é legal e muito frequente no exterior, sobretudo nos Estados Unidos”, afirma Frantz.

Mas com o casal foi diferente, já que ninguém da família de ambos toparam participar deste grande momento.

“A pessoa que foi o útero de substituição e que chamamos de barriga solidária, foi uma amiga nossa, porque nenhuma das familiares que tinham os pré-requisitos mais puxados para poder ser o útero quis. Fizemos um convite para ela, que pensou bastante e nos disse que queria fazer. Conversamos bastante com a família dela, ela conversou com a nossa família, tivemos reuniões, pensamos em todas as coisas, quais seriam os nomes, como iríamos proceder”, conta Eduardo.

Segundo ele, o ato de amor feito pela amiga fortaleceu ainda mais o laço de amizade e que o Arthur, nome escolhido para o bebê, desde cedo já sabe de sua história.

“Hoje ela é uma das nossas melhores amigas, sempre vai ser a barriga do Arthur, então ele já sabe, a gente fala. Tem uma foto de nós três, ela grávida, eu e o meu marido Cris, no quarto do Arthur”, conta.

Eduardo conta que conheceu a clínica Nilo Frantz por intermédio de um amigo advogado, que recomendou dizendo que os procedimentos aconteciam de forma rápida e muito boa.

“O processo do tratamento foi muito legal, muito bonito. O pessoal da Nilo é excelente, nos acompanharam desde o primeiro momento até o final. Ficaram interessados em conhecer o Arthur depois. Na verdade foi um grande processo, parece que ele nunca terminou porque eles fazem parte da nossa história”, afirma.

Com a chegada do pequeno Arthur, a vida de Eduardo mudou completamente. Mas ao mesmo tempo trouxe muitas dificuldades, já que a mudança trazia situações em que não estavam habituados a viver, como por exemplo, a privação do sono.

“É uma sensação maravilhosa de estar cuidando de alguém e de ter cada semana uma respostinha, uma coisa diferente, é brilhante. O Arthur gera uma alegria, um sorriso, uma vida, um arco-íris na nossa história”, conta emocionado.

Preconceito e a luta constante

Em meio às alegrias, Eduardo também compartilha que apesar de até hoje felizmente não ter vivenciado situações de preconceito quando a paternidade, o psicólogo afirmou ter tido conhecimento de situações cotidianas e até mesmo enquanto lutavam pela aprovação da documentação no CFM.

“Nós vivenciamos uma situação de preconceito que a gente acabou sabendo de outras formas no Conselho de Medicina, quando uma única pessoa tentou barrar o nosso processo, enquanto todo o restante do conselho estava a favor. Mas como nós estávamos de acordo com a lei, todas as coisas estavam certas, não teria como no final impedir”, conta.

Para Eduardo, a falta de informação e desconhecimento ainda é bem presente na sociedade que não está acostumada a ver uma criança com dois pais ou duas mães.

“Essa situação nós vivemos bastante em casos institucionais, quando vamos preencher fichas ou formulários e não tem o nome do segundo pai. Então nós riscamos a palavra ‘mãe’ e colocamos o nome do segundo pai”, afirma.

Em 2017, foi publicada uma norma no Conselho Nacional de Justiça em que as certidões de nascimento emitidas no país deveriam ter o campo “filiação” ao invés de “pai” e “mãe”. Essa mudança seria benéfica para casais homoafetivos como Eduardo e Cris.

“Há também uma resolução do CFM, que regulamenta o registro de crianças com dois pais ou duas mães em casos de Reprodução Assistida ou barriga solidária”, explica Nilo Frantz.

Na Câmara dos Deputados, foi apresentado o Projeto de Lei 5423/20 que garante o direito de dupla paternidade ou maternidade a casais homoafetivos que tiverem filhos, independente do seu estado civil.

Aos futuros pais

“O conselho que eu daria para homens e mulheres que querem ter uma família: antes de tudo, acreditem que isso é absolutamente possível, se não é pela gestação por substituição, ou pela fertilização, pode ser pela adoção, e que as crianças estarão felizes se o lar for um lar acolhido com vínculo seguro que gere autonomia não importa se é um homem com uma mulher ou se são 2 homens e duas mulheres”, aconselha Eduardo.

“Se eu pudesse definir paternidade em uma só palavra eu definiria por realização”, finaliza.

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