Gestantes que precisam viajar para o parto enfrentam um risco maior de mortalidade infantil

Mães do Norte e Nordeste possuem maior risco de mortalidade ao terem que viajar longas distâncias em comparação às mães do Sul e Sudeste, que possuem mais acesso a polos hospitalares e melhores condições socioeconômicas

Diariamente inúmeras gestantes precisam viajar para realizar consultas médicas, exames e até para o parto. Essas viagens, que muitas vezes são voltadas para prevenir e cuidar da saúde da gestante e do bebê, podem ter um impacto mais grave do que se imagina. Uma pesquisa do Centro de Estudos Empíricos em Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV CEEE) constatou uma chance maior de mortalidade, ao analisar o impacto que viagens para o parto podem ter em desfechos de saúde nos bebês recém-nascidos. O estudo também alerta para a necessidade de criar políticas públicas que venham a melhorar esta situação.

A pesquisa constatou que 31% das mães do Brasil viajam uma média de 59 km para realizarem o parto. Devido a esses trajetos, a probabilidade de mortalidade é 0,5 ponto percentual maior para crianças cujas mães viajaram para dar à luz. A pesquisa também demonstra que distância percorrida pelas mães vem aumentando nos últimos anos, ao comparar o período de 2006 a 2017, conforme demonstra o gráfico abaixo:

 

Além disso, a probabilidade de mortalidade é cerca de 2 pontos percentuais maior para crianças cujas mães percorreram mais de 100 km, quando comparadas com aquelas que viajaram não mais que 50 km. De acordo com o levantamento, o mais preocupante nesta situação, é que esse risco aumenta progressivamente. Estima-se que, entre as mães que viajaram para o parto, a cada 10 km adicionais de deslocamento, há um incremento na taxa de mortalidade em torno de 0,10 mortes por mil nascidos vivos.

Para encontrar esses resultados, o projeto utilizou diversas bases de dados administrativas de saúde do Brasil juntamente com modelos de regressão para dados de painel, com o objetivo de investigar o efeito da distância percorrida para o parto sobre a mortalidade infantil.

Barreiras de acesso

O coordenador do FGV CEEE Valdemar Pinho Neto, quem liderou o estudo, contextualiza que cerca de 30% do total dos nascimentos no Brasil acabam acontecendo em municípios diferente do município da mãe. “Esses dados ilustram um problema de saúde pública, tendo em vista que algumas mortes ocorridas devido aos longos trajetos poderiam ter sido evitadas”.

Ainda que a disponibilidade de estabelecimentos de saúde do SUS, adequada para atenção perinatal, tenha melhorado entre 2007 e 2021, Pinho Neto é categórico ao afirmar que o Sistema Único de Saúde tem como princípio ofertar um serviço igualitário, porém a geografia do país dificulta que o acesso aos serviços de parto ocorra de maneira equitativa.

“Não há hospitais disponíveis em uma localização próxima dessas mães, que acabam tendo menos condições de acesso em relação a outras. Além disso, nossa pesquisa constatou duas questões relevantes, a primeira é que os nascimentos têm acontecido cada vez mais em estabelecimentos do SUS com maior capacidade tecnológica e infraestrutura, e a segunda é que distância para esses estabelecimentos de saúde é muito maior do que a distância para os demais estabelecimentos. Então, o desafio do SUS não é somente garantir que as mães acessem aos serviços de saúde, mas que esses serviços tenham os recursos necessários para brindar uma atenção de qualidade”.

Desigualdade entre as regiões do Brasil

De acordo com o pesquisador, essa questão relacionada ao deslocamento das mães é ainda mais crítica se forem observadas as desigualdades por regiões, visto que a frequência de mães que precisam sair de seus municípios, devido ao parto, é ainda maior no Nordeste do país. Em Pernambuco, por exemplo, cerca de metade das mães do Estado costumam sair da cidade onde moram e parir em outra cidade.

No Norte embora o deslocamento seja menos frequente, é necessário olhar a situação tendo em vista que os estados nortistas costumam ter grandes municípios, e como o próprio Pinho Neto alerta, a distância percorrida chega a ser absurdamente alta.

“Se uma mãe mora a cerca de 150 km de um hospital, ela e o gestor de saúde local precisam decidir se realizam o parto no município com as condições mais básicas que possuem, ou tomam a decisão de viajar, algo que pode também trazer consequências não só sobre o nascimento da criança, mas também para a saúde materna. Esses padrões demonstram uma complexidade inerente que nos exige olhar para todas as dimensões”.

Por outro lado, as viagens para o parto costumam ter trajetos menores para as gestantes do Sul e Sudeste, que contam com uma rede, em geral, mais estruturada e com direcionamentos dentro das microrregiões de saúde estabelecidas, que recebem pacientes dos municípios arredores.

“Nessas duas regiões, as redes hospitalares de maternidade estão melhor distribuídas e as pessoas não costumam viajar tanto”, disse o professor ao complementar que esta é uma reflexão importante, visto que a estrutura do SUS foi criada para atender a todos os brasileiros de forma igualitária, mas que a distância geográfica é um dos fatores que impedem este ideal de ser concretizado por completo.

O estudo demonstrou também que a proximidade dos estabelecimentos do SUS com melhor infraestrutura reduz a mortalidade infantil em gestações de alto risco, mesmo depois de isolar efeitos de outros fatores de risco e sociodemográficos. Pinho Neto acredita que a relação entre as distancias percorridas pelas mães e a mortalidade infantil, no Brasil, é complexa, mas pesquisas como esta podem alertar e orientar a criação de políticas públicas.

Risco adicional

“Se por um lado, viajar 50 km geralmente não é o suficiente para se deslocar até outro município no Norte, do outro, há polos hospitalares que permitem que mães tenham um melhor acesso em determinadas regiões. É preciso que gestores públicos levem esses dados em consideração na hora de tomar suas decisões e repensar políticas para diminuir mortes infantis que poderiam ser evitadas”.

Dados recentes sobre a mortalidade infantil demonstram que a maior parcela das mortes ocorre até um ano de vida, configurando cerca de 11 mortos, por 1000 nascidos vivos. “A maioria dessas mortes acontecem nos primeiros dias de vida e por causas evitáveis”, destacou Pinho Neto.

O professor também comenta que os longos trajetos realizados pelas gestantes costumam ser acompanhados de situações de estresse, esperas e filas, na busca pelo tratamento adequado. Este fator faz do próprio deslocamento um risco adicional, mesmo em gestações e partos que, a princípio, possam ser de baixo risco.

“Em nossas conversas com gestores de saúde e mães que precisaram se deslocar, já ouvimos diversos tipos de relatos. Algumas mães, por exemplo, viajam na véspera do parto para outro município, outras se hospedam em casa de amigos ou conhecidos, e além dessas condições, algumas ainda costumam esperar começar as contrações para iniciar a viagem”, detalhou Pinho Neto.

Desigualdades socioeconômicas

Além da desigualdade geográfica, a pesquisa também analisou o padrão socioeconômico das mães que realizam esses percursos para hospitais em outros municípios. O estudo constatou que em lugares com maior grau de desenvolvimento humano, melhores condições de vida e acesso à educação, as mães viajam distâncias relativamente menores.

Já se a mães residirem em municípios mais pobres, e com menores níveis de educação, as distâncias percorridas são, em geral, maiores. Na perspectiva do pesquisador, melhorar condições de acesso a hospitais nas regiões em que se encontram as populações em maior vulnerabilidade seria uma medida para tentar alcançar o ideal de equidade do SUS.

A pesquisa reforça que as mães das regiões que já sofrem com condições socioeconômicas mais precárias, precisam enfrentar também os fatores adversos impostos pelas distâncias percorridas até a maternidade, aumentando os potenciais efeitos negativos dos deslocamentos sobre a saúde materna e da criança.

Há municípios como Itaeté, na Bahia, com R$ 224 reais de renda per capita, na qual a distância média para serviços de parto é 57 km. Já em Minas Gerais, por exemplo, há municípios como Botelhos, que possui renda per capita de R$ 630, onde as gestantes precisam percorrer cerca de 35 km para o parto. Ambos os municípios contam com população perto dos 15 mil habitantes.

“Os municípios nos quais as gestantes costumam se deslocar mais para o hospital do parto são aqueles com os piores contextos socioeconômicos, ou seja, a distância que elas percorrem reforça ainda mais as desigualdades em nosso país, presentes também de forma evidente no acesso à saúde”, declarou Pinho Neto. Para ele, este ponto é relevante pois apesar de este projeto analisar o papel das distâncias, não é um fator isolado que vai afetar a chance de mortalidade infantil.

“Os quilômetros percorridos possuem sim influência, mas todas as outras questões socioeconômicas, demográficas, entre outras, precisam ser consideradas de forma conjunta. Se você não melhora as condições de acesso aos hospitais, você piora a qualidade de vida dessas pessoas que já estão vulneráveis”.

Distância dos equipamentos

Uma parte deste projeto também se dedicou a olhar não somente a distância percorrida por mulheres para os hospitais, mas também as condições desses hospitais, no que diz respeito a leito de UTI, profissional da saúde especializado, equipamentos médicos, entre outros atributos dos hospitais que sejam relevantes para o atendimento materno e neonatal. Foi constatado que quanto mais distante a gestante de risco estiver de um nível de atendimento necessário, maior é a chance de seu bebê vir a óbito.

No Nordeste e no Norte essas distâncias também costumam ser muito maiores em comparação com as outras regiões. As gestantes nordestinas, em média, moram a 45 km de distância dos equipamentos necessários nos atendimentos perinatais intermediários, como ultrassom. No Norte esta distância média chega a 73 km. Para alguns itens como leito de UTI neonatal essas distâncias costumam ser ainda maiores.

Em alguns casos, Pinho Neto afirma que a distância para equipamentos específicos pode ser tão grande, que até desincentive a demanda, por ser praticamente inacessível. “Se uma gestante está a 500 km de distância de um equipamento ou serviço, é provável que ela não vá ser atendida naquele local, seja por não conhecer ninguém na região, ou por não ter os devidos meios de chegar até lá em tempo hábil e de forma segura”.

Além disso, a parcela de gestantes que viajam até outro município para realizar o parto se agrava quando elas ou os bebês apresentam fatores de risco, pois todos esses efeitos somados podem potencializar o risco de mortalidade. “Se a gestante tem uma determinada condição que precisa de um tratamento específico e para este tratamento ela precisa de um equipamento que esteja muito distante, entra em jogo a intenção de tratar a condição em primeiro lugar, somada pela disponibilidade do equipamento próximo”, concluiu.

Este e outros resultados da pesquisa foram apresentados em um evento que ocorreu em em Brasília, com a presença de representantes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Bill e Melinda Gates, financiadores deste estudo.

Leia o artigo na íntegra: Link

 

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