Preservação da fertilidade no mundo corporativo: um grande desafio cultural

A preservação da fertilidade surge nesse cenário com uma das políticas de autonomia reprodutiva feminina, que permitirá às mulheres terem mais controle sobre suas escolhas, contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa.


A preservação da fertilidade no ambiente corporativo é um tema que vem sendo cada vez mais discutido e estudado. Diversos estudos indicam que a infertilidade é um problema crescente na sociedade, principalmente devido ao adiamento da maternidade e à redução da fertilidade feminina com o passar dos anos.

Há uma diferença biológica entre homens e mulheres no que se refere ao processo reprodutivo. Enquanto os homens produzem espermatozoides ao longo de toda a vida, as mulheres nascem com um número limitado de óvulos, que começam a se deteriorar de forma mais significativa a partir dos 35 anos de idade, diminuindo a chance de concepção, aumentando o risco de problemas na gestação e no desenvolvimento fetal.

Essa diferença biológica pode ter um impacto importante nas decisões reprodutivas de homens e mulheres. 

Os homens podem, em tese, adiar a paternidade por mais tempo sem prejuízos significativos à saúde ou à fertilidade. Já as mulheres têm um prazo biológico mais curto para engravidar e ter uma gestação saudável, o que pode levar a uma grande pressão para decidir entre ter filhos ou investir na carreira e em outras áreas da vida.

Segundo um estudo realizado pela Harvard Business School em 2018, 20% das mulheres consideram adiar a maternidade por questões profissionais e financeiras, enquanto apenas 7% dos homens pensam da mesma forma. Esse dado indica que, apesar de o relógio biológico forçar a mulher a gestar em idade precoce, a cultura corporativa faz com que a maternidade seja vista como um obstáculo para a carreira. 

De acordo com um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em 2019, em média, as mulheres ganham cerca de 20% menos do que os homens em todo o mundo. Além disso, um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado em 2020 revelou que mães trabalhadoras no Brasil ganham cerca de 32% menos do que homens em cargos similares.

Essa disparidade salarial também pode ser um fator que contribui para a percepção das mães no mundo corporativo. De acordo com dados publicados pelo Linkedin em 2019, 42% das mães afirmam que sentem que sua maternidade prejudicou sua carreira, enquanto apenas 17% dos pais sentem o mesmo.

Outro estudo na mesma plataforma publicado em 2020 mostrou que, em geral, as mulheres têm menos chances de serem contratadas para cargos de liderança do que os homens, e a situação é ainda pior para as mães, que são 17% menos propensas a serem contratadas para estes cargos do que as mulheres sem filhos.

Esses dados mostram que ainda há uma grande desigualdade de gênero no mundo corporativo, que afeta especialmente as mulheres mães.

Então, o que pode ser feito para mudar essa realidade? Primeiro, é preciso que as empresas reconheçam a importância da maternidade e ofereçam suporte e flexibilidade para seus funcionários que desejam formar uma família. Isso pode incluir licenças-maternidade e paternidade mais longas, horários flexíveis e até mesmo programas de incentivo à fertilidade.

Um questionamento que surge nesse momento é: será que esses programas não seriam uma forma velada de forçar a mulher a adiar a maternidade ainda mais? 

A resposta é muito mais complexa do que parece. Com o aumento da expectativa de vida, é natural que o desejo da maternidade se manifeste em idades mais tardias. Um artigo publicado em 2021 na revista científica Human Reproduction Update, que revisou 38 estudos internacionais sobre o assunto, concluiu que a idade média da primeira maternidade tem aumentado em todo o mundo e que essa tendência é mais forte nos países desenvolvidos. Segundo o estudo, em países como os Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, a idade média da primeira maternidade está acima dos 30 anos.

Embora a questão corporativa ainda seja fator decisivo nessa escolha, muitas mulheres adiam a maternidade por razões além das profissionais, como a conclusão de estudos, viagens ou até mesmo a espera pelo parceiro ideal. Esses dados evidenciam a complexidade do assunto e a necessidade de uma mudança cultural, com o estabelecimento de políticas e medidas empresariais que promovam a igualdade de oportunidades e a inclusão das mães no ambiente de trabalho. A preservação da fertilidade surge nesse cenário com uma das políticas de autonomia reprodutiva feminina, que permitirá às mulheres terem mais controle sobre suas escolhas, contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária e justa.

* Dra. Amanda Lino de Faria Lessa é médica ginecologista e obstetra especialista em Reprodução Humana. Atua como preceptora da residência médica no ambulatório de planejamento reprodutivo da Unifesp, professora na Pós-Graduação Embriológica e Host do podcast Café in Vitro. 

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