Reprodução humana assistida: normas evoluem em 2022, mas ainda é preciso ter leis direcionadas

Thais Maia e Luciana Munhoz*

A reprodução assistida no Brasil teve suas regras e normas éticas atualizadas recentemente pelo Conselho Federal de Medicina. Enquanto a resolução de 2021 trazia questões engessadas, gerando preocupações, a mais recente CFM nº 2.320, de 20 de setembro de 2022, é menos invasiva e menos rígida, proporcionando mais autonomia para a decisão dos pacientes. Apesar das evoluções importantes, é preciso reconhecer que o caminho de maturidade normativa sobre a temática no país ainda é longo e precisa ser mais explorado. 

Sem sombra de dúvidas, uma das mudanças mais importantes neste ano foi sobre o descarte de embriões. Antes, somente era possível com autorização judicial e após o período mínimo de três anos de criopreservação. Agora, o paciente deve deixar uma autorização expressa para o descarte dos embriões, tendo suas vontades e pretensões explícitas em um termo de consentimento, sem a necessidade de buscar a Justiça para tanto.

Vale ressaltar que todas as resoluções anteriores traziam o tempo mínimo para a criopreservação de embriões nas clínicas. Tal fato era um calcanhar de Aquiles para os laboratórios e pacientes, tendo em vista os custos envolvidos e frequentes abandonos de embriões. Sem essa menção agora, cada clínica deve possuir seu próprio protocolo operacional indicando suas regras sobre a manutenção dos embriões criopreservados.

Outra novidade relevante este ano foi a retirada da limitação de que apenas oito embriões poderiam ser gerados por paciente em laboratório. A medida, sem dúvidas, contribui para o sucesso do procedimento, tendo em vista a autonomia dada a pacientes para a escolha de quantos embriões serão criopreservados, decisão que deve ser tomada em conjunto à equipe técnica. 

Contratos e Termos de Consentimento

A atualização das normas éticas para a utilização de técnicas de reprodução assistida desperta, mais uma vez, o debate em relação à necessidade de documentação apropriada para reger as relações entre médicos, clínicas e pacientes, principalmente quanto aos gametas e embriões.

É cada vez maior o peso e a imprescindibilidade dos documentos no âmbito da reprodução humana, sejam os contratos que trazem a regulamentação do serviço a ser prestado e os aspectos negociais da relação entre as partes, sejam os termos de consentimento que abordam tudo que envolve cada procedimento em si.

Se a nova norma dá mais autonomia aos pacientes nas escolhas de seu tratamento e no descarte de embriões, e aos laboratórios em relação à quanto ao tempo de criopreservação e modo de descarte de embriões, é evidente que tudo precisa ser registrado e explícito.

Sendo assim, os termos de consentimento devem ser redigidos caso a caso, de acordo com as vontades e interesses de cada paciente. Não basta um termo genérico sobre o tratamento, é necessária uma atenção profunda nesse aspecto, para que os interesses do paciente e os serviços prestados pelas clínicas estejam em perfeita conformidade.

O termo de consentimento deve trazer características dos procedimentos, riscos, benefícios, dados, interesses expressos dos pacientes sobre o futuro dos gametas e embriões. Um exemplo disso é a colocação explícita sobre o descarte dos embriões, qual será a decisão tomada caso o casal se divorcie, ou qual o destino dos embriões no caso de falecimento de uma das partes. É um documento bastante completo e abrangente, capaz de dar segurança nas relações entre os operadores das técnicas de reprodução e o futuro do paciente.

Diante desse contexto, é possível dizer que 2022 foi um ano de avanços para a reprodução assistida no Brasil.  Ainda não conquistamos o ideal. Mas conseguimos, por exemplo, equalizar melhor as necessidades dos pacientes e profissionais envolvidos no processo, solucionando questões complexas deixadas pela resolução anterior.

É notório o esforço do Conselho Federal de Medicina em regulamentar as normas éticas para a utilização de técnicas de reprodução e em aperfeiçoa-las para garantir a maior segurança possível nas relações. Mas caberia ainda trazer as novas resoluções acompanhadas de notas de esclarecimento e de descritivos técnicos, no sentido de reduzir brechas para diferentes interpretações.

Certamente, o cenário ideal para a segurança jurídica dessas relações possa vir, no futuro, pela análise detalhada e edição de lei oriunda do Poder Legislativo.  Enquanto isso não acontece, o CFM visa tomar as melhores medidas. 

*Thaís Maia e Luciana Munhoz são advogadas, Mestres em Bioética (UnB), Gestoras em Saúde (Albert Einstein). Sócias do escritório Maia & Munhoz Consultoria e Advocacia em Biodireito e Saúde.

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